http://www.imdb.com/title/tt0043668/
https://en.wikipedia.org/wiki/I%27ll_Never_Forget_You_(film)
Sinopse: Um físico nuclear, membro da equipa que criou a bomba atómica em Los Alamos, encontra o diário pertencente a um antepassado seu, que viveu dois séculos antes em Londres, escrito pela mão do físico nuclear, onde conta que foi internado num manicómio por dizer que vinha do futuro.
Trailer criado por mim:
Uma curiosidade deste trailer é que utilizei músicas de jogos de computador (que eu não conheço), com arranjo pela Orquestra Filarmónica de Londres, aqui estão elas por ordem:
Advent Rising: Muse
Legend of Zelda: Suite
Battlefield 2: Theme
Autoria: London Philharmonic Orchestra and Andrew Skeet
Ficção científica adulta, de forte carga filosófica e rigor técnico
Como introdução tenho a dizer que este filme é uma preciosidade, que andou perdida durante meio século e que por isso não é muito reconhecida como sendo um dos filmes mais interessante sobre viagens no tempo, não por algum aspecto complexo relacionado com viajar no tempo (que aqui não há), mas unicamente pelo forte impacto que o cientista do século XX sente ao viver em Londres do século XVIII. É um filme que leva o espectador a reflectir e a debruçar-se acerca de como a Europa mudou em 200 anos, a nível científico, social e cultural, entre a Era do Iluminismo e a Era Atómica.
Antes de falar da premissa da história, quero referir a cena introdutória de abertura do filme que mostra o físico nuclear a trabalhar num centro de pesquisa de fissão nuclear na Grã-Bretanha em 1951. Isto é a melhor cena do género que já vi até hoje no cinema, muito superior quer ao filme soviético "Nine Days In One Year" de 1962, quer ao filme norte-americano "Fat Man and Little Boy" de 1989, que seriam os melhores exemplos do género.
No meu trailer dei forte destaque a essa sequência, e quem tenha interesse nesta matéria poderá querer ver os meus vídeos dos outros dois filmes referidos, que coloco aqui em "spoiler" (não é um spoiler, é apenas para não sobrecarregar a crítica):
- Spoiler:
O instrumento acima não é nenhuma macacada de Hollywood e é digno de investigação da minha parte (ainda ontem vi outro filme de ficção científica, que tinha lá um amperímetro ou voltímetro, a medir não sei o quê, mas que nada tinha a ver com tensão ou corrente eléctrica, porque certos realizadores acham que os espectadores são tão estúpidos e ignorantes como eles). Este instrumento usado no filme foi fabricado pela British Physical Laboratories entre 1939 e 1946, como é que eu sei isso? Porque encontrei a seguinte página:
http://www.gracesguide.co.uk/British_Physical_Laboratories
Diz lá que a empresa foi fundada em 1939 e mudou de nome em 1946... diz lá também que este fabricante fornecia as forças armadas da Grã-Bretanha durante a 2ª Guerra Mundial. Este equipamento que mede radiação gama era usado na pesquisa de bombas atómicas (a bomba de Hiroxima tinha acabado de ser detonada em 1945) e não estou a ver um cineasta de 1951 a fazer um filme com dinheiros de Hollywood, a alugar ou comprar um instrumento tão específico como este. Isso sem falar no manipulador Mestre-Escravo "Mark 8" da imagem abaixo, inventado em 1945:
É curioso que na página do wikipedia acerca deste manipulador, são apenas referidas utilizações no cinema em filmes da década de 1970 como o "Andromeda Strain" e o "THX 1138". A omissão deste filme, deve-se ao mesmo estar fora de comercialização até 2008.
https://en.wikipedia.org/wiki/Remote_manipulator
Finalmente, uma outra razão importante para achar que a cena foi filmada numa instalação nuclear real do governo britânico, é que não teria lógica a equipa do filme gastar tanto dinheiro a recriar uma instalação dessas, quando o resto do filme (que recria Londres no século XVIII) é filmado em estúdios pobrezinhos, com aspecto artificial e sem qualquer tipo de realismo, como se fazia na época.
Esta sequência introdutória, é sem dúvida uma das cenas mais bem feitas na história do cinema. O longo período de meio século em que o filme esteve fora de distribuição, retirou-lhe o devido mérito e reconhecimento pela crítica especializada, e por isso a necessidade de incluir uma boa parte dela no meu trailer da ficha técnica, sacrificando e excluindo a bonita cena da dança do minueto e da mulher à janela a despejar o penico para cima da cabeça dos transeuntes de Londres (pormenor importante que muitos filmes históricos omitem). Eu diria que apenas por esta cena valeria a pena ver o filme, antes mesmo sequer de referir os aspectos filosóficos muito bons.
A premissa do filme é muito interessante, esta cena introdutória no centro de pesquisa nuclear poderá levar ao engano, pois a viagem no tempo será um fenómeno natural pré-destinado. No arranque do filme, o físico nuclear já sabe que irá viajar para o ano de 1784 e ser internado num manicómio, porque na mansão inglesa que herdou dos seus antepassados, encontrou diários e outros elementos. Ele dedicou muito tempo a estudar a história da família dele no século XVIII e até anseia por que chegue esse momento da viagem no tempo. Este é um homem extremamente inteligente que ajudou a criar a bomba atómica, e por isso com um grande peso na consciência e com a noção do perigo de uma troca nuclear com a União Soviética, que tinha acabado de detonar a sua primeira bomba nuclear "RDS-1" em 1949, onde é hoje o Cazaquistão.
Primeira bomba nuclear soviética
A cena introdutória é crucial para entender a forma de pensar do protagonista, o argumento do filme é extremamente sofisticado e inteligente e já li um comentário de alguém que não entendeu isto e que sente que a introdução leva ao engano, devido à viagem no tempo ser causada pela queda de um relâmpago que atinge simultaneamente o protagonista e o seu antepassado, no mesmo preciso local. O próprio cientista quando está no passado explica que essa dobra no tempo está para além da compreensão da ciência do futuro de onde ele vem.
Existem muitos aspectos inteligentes no argumento deste filme, que passam ao lado dos espectadores distraídos de que eu tentarei mostrar aqui o seu mérito e o meu agrado pessoal por eles.
Talvez deva começar por referir que este filme não possui a estrutura formulaica de um filme anglo-americano deste período. O enredo não é previsível e há quem critique negativamente o filme, por não ter um "happy ending" e por não ser um "feel good movie". Infelizmente existe mesmo uma quantidade enorme de espectadores que exigem a fórmula repetitiva de Hollywood, e que depois vão criticar negativamente qualquer filme que não siga esse método de clonagem da mesma estrutura de sempre do enredo. Existe também muita gente que simplesmente não gosta e não está interessada em ficção científica ou em temas de reflexão filosófica, para quem este será apenas um qualquer filme mediano de 1951, que por acaso inclui uma trágica história de amor.
Eu teria também adorado este filme em criança ou adolescente, porque sempre adorei o conceito de viagens no tempo... teria achado o visual foleiro e a história de amor lamechas, mas ficaria colado ao ecrã curioso em saber qual será o desfecho da história. Mas não apreciaria nem me aperceberia de certos méritos desta obra. No entanto quando eu era adolescente por vezes a RTP 2 apresentava uma análise de cinema, antes do filme a exibir, o que fazia com que eu depois visse o filme com outros olhos. Talvez seja isso que eu esteja a tentar fazer aqui...
O enredo do filme torna-se imprevisível porque o conhecimento que o protagonista leu acerca do passado, não corresponde exactamente aos factos, ele assusta as pessoas com conhecimentos de informações pessoais que ninguém sabia em 1784, com base em documentos históricos posteriores, como oratórias funerárias. Por exemplo devido a isso o pintor desiste de pintar o quadro dele a meio, conforme a imagem acima, que no presente de onde ele veio era suposto ter sido terminado.
Este homem sonhava em fugir do mundo da guerra fria e das armas nucleares que ele próprio ajudou a criar como membro da equipa do Projecto Manhattan, e viver uma vida de lorde na alta burguesia de Londres, na era do Iluminismo e da Razão, mas ocorrem choques em duas vertentes.
Na vertente social e cultural, ele descobre que o passado não era tão romântico como a imagem que ele tinha e sente-se mal com a imundice das pessoas a despejarem o bacio da janela, e o cheiro nauseabundo de caminhar em ruas cobertas de lama e excrementos humanos. Este é um aspecto que muitos cineastas de então ou de agora se esquecem de referir nos filmes históricos.
Ainda nessa vertente são mostradas crianças espancadas e exploradas legalmente como escravas, tema importante do escritor Charles Dickens.
No entanto o que mais me levou a parar para pensar e reflectir sobre a imagem que eu tenho do progresso científico do Iluminismo europeu, terá sido a reacção retrógada, religiosa e adversa das pessoas do século XVIII, que nesta história, são membros da aristocracia com acesso a alguma educação, que causaram o internamento do personagem num manicómio. Quando eu tinha cerca de 20 anos de idade li livros com biografias dos cientistas deste período do Iluminismo, de que eu tanto admiro, quando a Europa se liberta do jugo da Igreja Católica e finalmente a ciência pode avançar sem o perigo dos cientistas serem queimados na fogueira por heresia.
Esta foi para mim a vertente mais filosófica do filme, em que me apercebi de que a imagem que eu tinha do progresso científico do século XVIII foi baseada em casos de sucesso, e não tinha pensado na inexistência do ensino escolar gratuito e obrigatório ou na estupidez do que seria a educação dos aristocratas (dança do minueto, etiqueta, língua francesa, e demais temas não-científicos), cujo resultado era uma tremenda ignorância das massas (ricos e pobres). Comecei a questionar se esses grandes cientistas como o Sir Isaac Newton não terão tido sorte com o ambiente e pessoas que os rodeavam e que poderiam ter sido reprimidos por essa gente ignorante que ridicularizava o que não entendia...
É que quando uma pessoa do século XX lê a história dos progressos científicos da Era do Iluminismo, estão lá todos os casos de sucesso concentrados e não é muito perceptível a resistência e ignorância que preenchiam o resto desse período.
Para concluir, eu diria que este é um filme romântico de ficção científica, com muitos dos defeitos e limitações do cinema da época com a esperada censura e pudor moral, falta de realismo e profissionalismo com cenários de estúdio e iluminação artificial de má qualidade, enfim um filme que tresanda ao amadorismo esperado do cinema de 1951. Por outro lado temos um enredo adulto e inteligente que não segue a tal fórmula comercial do cinema anglo-saxónico, o que para mim vale ouro.
Eu sei que este tema das viagens no tempo, bem como esses pormenores de que gostei pessoalmente, não terão interesse para muita gente, mas ainda assim poderão gostar de ver o filme como curiosidade para observar estes aspectos curiosos que tanto agradam a um pequeno nicho de cinéfilos. Decerto não acharão o filme tão fascinante como eu o achei, mas acho que este filme merece a minha recomendação geral.