Genuína Guerra Fria no Cinema. Rivalidade e corrida oficial dos dois gigantes do cinema. Realismo Soviético vs. Hollywood.A Guerra Fria foi travada em diversos campos de batalha, por exemplo na corrida ao espaço. O cinema foi também um campo de batalha, quando Hollywood desistiu de fazer este filme, e insultou o cinema soviético, acusando-o de ser tecnicamente inferior aos estúdios de Hollywood, e não ser capaz de fazer a adaptação do livro. Mas o filme foi feito, e está no You Tube para toda a gente ver. É a proverbial
bofetada na cara ao cinema americano. Não sou eu que o digo, já irei citar fontes adiante.
Mas primeiro tenho mesmo de falar do escritor Alexander Beliaev, cuja vida e história davam um filme.
Alexander Beliaev (1884-1942)O escritor teve uma educação religiosa no ensino secundário, mas tornou-se ateu, tirou um curso de direito na universidade e tornou-se advogado. Mais tarde devido a uma doença, ficou seis anos acamado, paralisado das pernas, ele sabia ler em inglês e nessa altura leu os livros de ficção científica de Júlio Verne, H.G. Wells e Konstantin Tsiolkovsky. Mais tarde tornou-se ele próprio um escritor conceituado de ficção científica, da corrente dos escritores que o inspiraram.
Quando a Alemanha Nazi lança de surpresa a Operação Barbarossa, o escritor vivia numa vila nos arredores de Leninegrado, quando é dada a ordem de evacuação, ele estava a recuperar de uma operação, e não se achou fisicamente capaz de evacuar. O resultado é que morreu à fome, sob a ocupação Nazi, no dia 6 de Janeiro de 1942. No entanto recebeu um funeral com honras, com direito a discurso por um general alemão, que leu os livros dele, quando era mais novo. Já a mulher e filha foram levadas para o campo de concentração e extermínio de Majdanek, sob o plano Ostland de limpeza étnica e genocídio do povo eslavo. Elas foram salvas em 1944, quando o campo de concentração caíu para o exército vermelho, mas de seguida, foram enviadas para um Gulag na Sibéria.
Quando o jornal norte-americano
The New York Times soube que os estúdios Lenfilm, planeavam adaptar o livro para o cinema, publicou um artigo bastante ofensivo, a nível diplomático, a ridicularizar a inferioridade técnica do cinema soviético, dizendo que o filme seria um fiasco porque a própria Walt Disney desistiu do filme, por dificuldades técnicas.
Fontes, em russo:
http://www.newsru.com/cinema/15jun2007/amfibiya.htmlhttp://ru.wikipedia.org/wiki/%D0%A7%D0%B5%D0%BB%D0%BE%D0%B2%D0%B5%D0%BA-%D0%B0%D0%BC%D1%84%D0%B8%D0%B1%D0%B8%D1%8F_(%D1%84%D0%B8%D0%BB%D1%8C%D0%BC,_1961)Na minha opinião, eram os tempos da propaganda desonesta e perigosa do governo norte-americano, que fazia lavagem ao cérebro do povo, para incutir medo, ódio e sentimento de superioridade americana. O desgraçado do editor do New York Times, deve ter sido uma vítima dessa propaganda, e julgava que Hollywood era a melhor coisa do mundo, visto não ter acesso aos filmes soviéticos. Bem, esta questão é no mínimo subjectiva, eu por exemplo sou fã do cinema soviético, e já aqui falei de filmes da década de 1950, com encenação, cinematografia e técnica, que até 2013 Hollywood ainda não igualou, e ao mesmo tempo já vi filmes recentes da Europa de Leste, com essa mesma sofisticação técnica. Infelizmente os filmes não são distribuídos em Portugal. Confesso que, apenas como fã, fiquei arreliado em ler esse comentário do New York Times, mas imagino o que os cineastas russos não terão sentido na altura...
Quanto ao filme...não se trata de uma obra-prima, porque para isso teria de ser excelente a todos os níveis, e não é o caso. A nível de excelência temos o trabalho de câmera com tracking shots, first person views, que parece que estou a jogar Combat Arms, a correr pela vila a fugir dos outros jogadores, fotografia lindíssima em geral, encenação circular, stunts, encenação submersa, reconstituição de uma cidade argentina, usando cidades da Europa de Leste (tão real que julgava que tinham pedido ao Fidel Castro para irem a Cuba filmar, mas não), boa música à excepção dos trechos de música electrónica, história de amor bonita e trágica, etc.
A nível negativo, temos um argumento algo infanto-juvenil, devido à inspiração que o Júlio Verne deu ao escritor, o pai do homem anfíbio é uma espécie de Capitão Nemo, que tem uma mansão estilo a Bat Cave do Batman, o fato de mergulho é foleiro, alguns actores são pouco convincentes e credíveis nalgumas falas. O filme foi duramente criticado pelos críticos de cinema soviéticos, por causa disto. Acusaram o filme de estar a baixar o nível do gosto aos espectadores da URSS, e a descer ao ponto de degradação de Hollywood. Gosto de ler este tipo de curiosidades...
O filme tem realmente muitas curiosidades, não as posso referir todas, mas existe muita informação nos comentários do IMDB, wikipédia inglês e wikipédia russo. Na parte seguinte irei falar de algumas que li e outras, que não li, mas que me impressionaram pessoalmente, usando imagens comentadas.
Fiquei literalmente de boca aberta com os stunts, nunca vi saltos assim em filmes ocidentais. Na imagem abaixo o duplo salta sem qualquer protecção entre dois prédios, embate frontalmente com o corpo todo, contra a parede do segundo prédio, e consegue aguentar-se sem largar as mãos do parapeito. Nunca vi algo assim no cinema! Só por estes segundos já vale a pena ver o filme! A câmera está colocada ao nível da rua. Se os actores soviéticos já corriam perigo de vida, então coitados dos duplos...O filme conta com atletas olímpicos, pelo menos para as cenas submarinas, talvez tenham usado um atleta desses para esta cena, não sei...Mas tipicamente qualquer filme soviético tinha grande coreografia e ensaios, antes de gastarem fita. Película cara e salários baixos, em contraste com Hollywood, que tinha película barata e salários chorudos.
O wikipédia refere que este foi dos primeiros filmes soviéticos com uma cena considerada erótica na altura, concretamente o efeito "T-Shirt Molhada", tirei imagem, pois este facto é considerado de grande importância e pioneirismo na história do cinema soviético, embora eu já tivesse reparado neste efeito noutro filme soviético anterior dos anos 50. Gostava de saber como os norte-americanos lidaram com isto, no ano seguinte, quando o filme foi exibido nos EUA em 1963, sob a censura do Production Code, mas não sei (reparei que no wikipédia inglês a duração do filme é menor do que a versão russa). Aqui fica a imagem:
Este é o pai do homem anfíbio no seu esconderijo secreto. Capitão Nemo? Até tem portas secretas:
Ele tem uma bat cave:
E também um bat-submarino:
O filme usa técnicas do expressionismo alemão do cinema mudo, como esta:
...ou esta:
O actor principal foi alvo de assédio das meninas e mulheres russas, ele morava no 6º andar de um prédio e as paredes das escadas, do R/C ao 6º andar, estavam cobertas de mensagens de amor, escritas com baton. Ele teve de pagar a limpeza do prédio com dinheiro do bolso dele:
Mas eu prefiro a actriz principal:
Para a cena do cabaré, foram mesmo buscar uma das melhores cantora de jazz da URSS, para cantar no filme. Isto seria o equivalente a usarem o Nat King Cole e afins, como actores nos filmes de Hollywood. É o tal toque do realismo soviético, de que tanto gosto:
E da minha parte, é tudo. Espero que tenham gostado de ler e de não ter ofendido nenhum fã do cinema de Hollywood.